A enóloga
Laura tem vinte e oito anos. Ar catita. Olhos amendoados verde-musgo e uma pele naftalina que deixa adivinhar o sangue à flor do nariz arrebitado. Basto cabelo escuro e lustroso entrecotado por um risco em ziguezague que lhe sucalca a nuca nívea até à testa.
Sentada, mantém porte esguio e pose altiva. O vestido negro denuncia reentrâncias curvelíneas que valorizam a gema larimar hexagonal pelo último terço do decote em U.
Linda de morrer e só me fala de vinhos.
Oscila circularmente o cálice de tinto. Pára, espera e cheira. Volta a oscilar, ora em elipse, ora em círculo. E pára. E repete. E diz:
- Alfrocheiro medonho, não fora o Merlot... Trinta/setenta, sem dúvida. Quarenta/sessenta, vá lá...
- Ah é...? - Pergunto eu.
- Sem dúvida, merecia madeira. Aduelas, aduelas dela!
Tento fugir ao mote:
- Então, Laura, e que me dizes à lebre?
- Querido, não está má... se bem que se a marinada tivesse levado Chardonnay 2005... hmm... Clos de Vougeot, talvez, o sabor estivesse muito mais intenso e a carne muito mais interessante!
Foi a gota de vinho. Nem o poder dos teus glúteos, Laura, consegue sobreviver à cortina do bocejo da obsessão alheia. Talvez se te tivesse deixado de véspera a marinar em Chardonnay...
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home